segunda-feira, 30 de agosto de 2010

LoucoZencena: A ‘loucura’ vista na encenação

Grupo de pacientes do Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro encontrou no teatro a forma de expressar seus sentimentos



Um grupo de pacientes do Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro (CPER) tem encontrado na arte uma forma diferente de encarar a “loucura”, palavra usada por eles de forma bem humorada, livre de qualquer tabu. Há um ano, cinco pacientes integram o grupo de arte LoucoZencena. Por meio de diferentes formas de expressão artística, os portadores de transtornos mentais realizam apresentações no CPER e em universidades, mostrando que a “loucura” deles nada mais é do que uma forma de existir.

O LoucoZencena faz parte do projeto “Arte no CPER” sob coordenação da psicóloga Rosângela Aufiero e da atriz Socorro (Koia) Refkalefsky. O grupo se reúne todas as terças e sextas-feiras no CPER e já tem recebido convites para apresentações fora da instituição. “O objetivo do grupo é mostrar que a loucura é uma forma de existir e não precisa ter medo ou vergonha. Um dos bordões usados nas apresentações é ‘Sou louco e sou capaz!’” comenta a psicóloga.

A parte artístico-cultural é coordenada por Koia. Também participam do trabalho estudantes de psicologia e serviço social todos com alguma habilidade artística. Segundo a equipe de profissionais envolvida na iniciativa, a cidadania é algo praticamente inexistente entre os usuários do centro. Esse quadro motivou a criação do projeto. “Queríamos sensibilizar o individuo por meio da arte, mexer com sentimentos adormecidos por anos de institucionalização. Ao mesmo tempo, mostrar cinema, teatro, fotografia, enfim, balançar as estruturas institucionais”, explica Rosângela Aufiero.

Para a atriz Koia, ao mesmo tempo em que funciona como terapia, o envolvimento dos pacientes com a arte lhes resgata cidadania. “A gente trabalha com eles no sentido de mostrar a cara. Dizer que são usuários do centro psiquiátrico, sim, mas não estão nenhum pouco preocupados com isso. Por que eles são cidadãos, capazes e criativos. Esse é o resgate. É dessa forma que eles podem se livrar do manicômio”, avalia Koia.

A atriz conta que a idéia inicial era formar um grupo exclusivamente voltado para o teatro. Mas, diante das limitações de cada um dos pacientes, por causa dos problemas psíquicos, o projeto voltou-se para a formulação de um grupo de arte. “Eles passaram muito tempo parados, sujeitos a medicamentos, sem exercitar a memória. Mesmo assim, vimos que poderíamos fazer arte. Por que a maioria tem envolvimento com musica. Então, demos espaço para essas habilidades do universo deles”, explica Koia.


Na arte todos são iguais

Segundo os participantes do projeto, usar a arte como terapia é uma forma de criar novos dispositivos de atenção e cuidados para as pessoas que sofrem com transtornos mentais. Para Koia Refkalefsky, na atividade artística, todos se sentem iguais. Não há diferença entre a sanidade e a loucura.

Nas apresentações do grupo LoucoZencena, prevalecem números musicais, alguns abordando temas comuns ao universo dos pacientes de centros psiquiátricos. “A gente coloca o olhar artístico, a nossa experiência, para fazer um espetáculo bonito, que mexa com a platéia. Mas dentro dos elementos que eles tem”, explica Koia.

O projeto do CPER segue os passos de outros pelo Brasil que já envolvem o teatro no tratamento de pessoas com problemas psiquiátricos. Os integrantes do LoucoZencena se reúnem duas vezes por semana, durante duas horas.


Personagem


Sódia Matos Sobrinha “Me esforço para estar aqui todos os dias”, paciente do CPER
Sódia Matos, 48, é paciente do CPER há mais de 20 anos. Ela diz se sentir feliz de participar do grupo, mas diz que a falta de memória tem sido uma dificuldade encontrada por ela durante as atividades teatrais. “Eu gosto. Me esforço para estar aqui todos os dias. Eu nunca tinha participado de um grupo de teatro. É a primeira vez na minha vida. Eu me preocupo, às vezes, porque, por causa dos remédios que tenho que tomar, eu não consigo gravar (decorar) os textos muito bem. Outro paciente que participa do grupo de arte é Raimundo Nonato Alexandre de Souza, 55. Depois de começar a participar das oficinas e das apresentações, ele diz que não tem mais sofrido de crises de surto que costumava ter antes de fazer teatro. “antes eu não tinha vontade de sair de casa. Agora saio até demais (risos)”, comenta.

Matéria de Lúcio Pinheiro

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